Resumo do capítulo 1 do livro “As donas no poder: mulher e política na Bahia”ng

A construção do pensamento feminista sobre o “não-poder” das mulheres

A autora Ana Alice Alcântara Costa inicia o seu livro com uma reflexão sobre o lugar de subordinação que, historicamente, as mulheres têm estado, exercendo apenas pequenas parcelas de poder, mas de maneira extremamente desigual, comparado com a supremacia masculina. Ela dedica o primeiro capítulo de seu livro, então, para analisar a opressão feminina.

1. O marxismo

A autora aponta Karl Marx e Frederic Engels como os responsáveis pela primeira tentativa de explicar a condição subalterna das mulheres na sociedade moderna, sem pautar a questão em causas biológicas e distanciando a condição de dependência das mulheres da sua natureza feminina. Para eles, esta condição é fruto de um processo histórico ligado à evolução da família. Engels afirma, na obra A origem da Família, da propriedade privada e do Estado, que o surgimento da propriedade privada e da possibilidade de formação de excedentes, junto à responsabilidade natural do homem pelos instrumentos de trabalho, tornou o homem o responsável pela acumulação das riquezas, excluindo a mulher deste papel. O homem tornou a mulher, responsável pelo trabalho doméstico, sua escrava, como forma de garantir a paternidade de seus filhos, possibilitando a transmissão de sua riqueza para seus descendentes. Desta forma, o marxismo clássico defende que a opressão feminina é fruto da propriedade privada e do papel de “instrumento de reprodução” adotado pela mulher dentro da estrutura familiar. A família burguesa patriarcal ratifica, através de gerações e gerações, a divisão da sociedade entre exploradores e explorados.

A concepcão desenvolvida por Engels e Marx foi profundamente criticada por antropólogos, historiadores, teóricas feministas e também por autores que utilizam a perspectiva marxista de análise social. Uma das críticas diz respeito à questão da propriedade privada como a responsável pela opressão feminina: as experiências socialistas ocorridas na Europa e na Ásia, que aboliam a propriedade privada, não causaram mudanças significativas na condição feminina. Antropólogos confirmaram a existência de sociedades primitivas, não baseadas em uma estrutura classista, em que as mulheres eram subordinadas à dominação masculina. Críticas também foram feitas à afirmação de Engels sobre a existência de um “matriarcado”, pois estudos posteriores feitos em comunidades primitivas não encontraram mulheres em posições de liderança. A divisão “natural” do trabalho na família proposta por Marx e Engels, como se o trabalho doméstico fosse algo inerente à condição feminina, também recebeu fortes críticas.

Marx defendia que a força de trabalho, no capitalismo, era uma mercadoria e que a procriação reproduzia esta força de trabalho. Ele não levou em conta que as mercadorias necessárias para a reprodução da forma de trabalho não se encontram prontas para consumo no mercado e que a mulher, através do trabalho doméstico, é responsável pelos alimentos, vestuário e lar; a mulher, através do trabalho não remunerado, possibilita maiores taxas de mais-valia e o barateamento da força de trabalho.

A capacidade de reproduzir a espécie sempre foi um dos fatores auxiliares para a opressão feminina. A teórica feminista Zillah Eisenstein afirma que “Marx não entendeu que a divisão sexual do trabalho dá lugar a um trabalho solitário para as mulheres” e diz que as mulheres, para Marx e Engels, continuariam responsáveis pelo trabalho doméstico mesmo após a transformação das relações de produtos. Por sua vez, a teórica feminista Batya Weinbaum afirma que Marx utilizava uma concepção patriarcal para analisar a economia política da sociedade capitalista. Além disso, Marx pecou, também, por não considerar o trabalho não-remunerado das mulheres nas famílias.

2. O patriarcado e o feminismo radical

A busca pelas respostas aos questionamentos relacionados à problemática feminina levou à teoria do patriarcado. Kate Millett foi a primeira teórica feminista que buscou uma explicação sobre a subordinação feminina nos conceitos de poder e dominação patriarcal desenvolvidos por Max Webber (“o domínio patriarcal é o tipo mais puro de dominação”). Para ela, que buscou referências também em Simone de Beauvoir, a relação estabelecida entre homens e mulheres é política, baseada na crença generalizada da supremacia biológica dos pobres sobre as mulheres. Millett afirma que o patriarcado é “uma instituição revestida de aspectos ideológicos e biológicos que têm a ver com a divisão social, os mitos, a religião, a educação e a economia”.

Para a teórica Shulamit Firestone, a função reprodutiva da mulher é a base para a sua opressão, sendo que apenas com a libertação da mulher do papel de reprodutora, possibilitado com o progresso das tecnologias de reprodução, o desequilíbrio entre homens e mulheres deixaria de acontecer. Este ponto de vista é adotado por grande parte das teóricas do patriarcado, mas outras vertentes, como a de Catherine Mackinson, tinham na sexualidade a resposta à dominação patriarcal, fundamentando-se mais na biologia do que na economia ou na história. As “feministas radicais”, como são conhecidas, sofreram uma série de críticas, sobretudo devido ao caráter biológico e não histórico de suas formulações. Um dos críticos, Gayle Rubin, alegava que não se deve usar “patriarcado” e sugere a utilização do termo “sistemas sexo/gênero” para tratar da relação de dominação. A autora deste livro, por sua vez, afirma que usar o termo “sistemas sexo/gênero” pode trazer sem seu bojo concepções biologistas, e isto também não é indicado.

Eisenstein critica Firestone por separar de maneira artifical as esferas econômicas e sexuais. Ela também critica a ideia de que o corpo da mulher define sua existência. Joan Scott, historiadora norte-americana, apresenta dois problemas para a utilização das formulações das teóricas do patriarcado: a) não explicam o que a desigualdade de gênero tem a ver com as outras desigualdades; b) esta teoria baseia-se apenas na variável única da diferença física. Apesar das críticas, esta teoria é muito importante para a construção do pensamento feminista, pois traz novos elementos para análise que possibilitam a reflexão sobre a opressão feminina e, posteriormente, auxiliam na construção do conceito de gênero.

3. O não “tão estranho” casamento entre feminismo e marxismo

As teóricas feministas, conscientes de que a teoria marxista não explicou a totalidade de questões relativas à posição feminina, passaram a dar continuidade a este pensamento, tratando da questão de produção e reprodução dentro de uma perspectiva do modo de produção, tendo como ponto de partida, geralmente, a questão do trabalho doméstico.

As feministas radicais assimilaram a ideia de que a subordinação é anterior ao capitalismo e que a mudança econômica para o modelo socialista não é estratégia suficiente para a eliminação da subordinação da mulher, que requer mais do que uma mudança no sistema econômico. Juliet Mitchell muito contribuiu para o feminismo socialista, a partir de uma visão crítica sobre a teoria marxista e a condição da mulher. Para elam as estruturas chaves da situação da mulher são: a produção, a reprodução, a sexualidade e a socialização das crianças.

O papel de reprodutora converteu a mulher em um complemento espiritual do papel do homem na produção. Para Mitchell, é na sexualidade que, historicamente, a mulher vem sendo mais oprimida: a mulher tem sido apropriada como objeto sexual, progenitor ou produtor, sendo sempre uma espécie de propriedade privada do homem na relação familiar. Ela afirma, também, que a família é um reforço na opressão à mulher, pois desenvolve três papéis distintos: reprodução, sexualidade e socialização das crianças.

Para as feministas socialistas, a opressão e a exploração da mulher eram resultado de esferas distintas do poder. A opressão estava baseada na organização social da sociedade (o partiarcado), enquanto que a exploração estava baseada na estrutura classista da soecidade (o capitalismo). Estas teóricas recuperam a teoria do patriarcado sem isolá-lo da estrutura econômica, como faziam as feministas radicais. A teórica Heleieth Safiotti conseguiu aproximar-se da essência entre patriarcado e capitalismo de maneira mais intensa, buscando explicar a desiguldade social da mulher.

3.1. Saffioti e a simbiose “patriarcado-racismo-capitalismo”

Saffioti exclui do termo “patriarcado” qualquer relação com a teoria weberiana. Para ela, não se pode entender o patriarcado ou o capitalismo como sistemas autonômos ou independentes: os dois devem ser examinados de forma integrada; classe e gênero são construídos ao longo da história. Esta autora critica a posição das feministas socialistas no que se refere à concepção do patriarcado capitalista, pois patriarcado e relações de classe não são, segundo ela, lados autonômos: patriarcado e capitalismo são faces distintas do mesmo modo de produzir e reproduzir a vida. A concepção de simbiose “patriarcado-racismo-capitalismo”, formulada por Saffioti adapta-se ao conceito de genêro discutido a seguir.

4. O conceito de “gênero” e as “relações de gênero”

Gênero” foi atribuído pelos homens em meados da década de 80, com base nas diferenças visíveis entre homens e mulheres, como forma de sintetizar as relações hierárquicas estabelecidas nos maiores diferentes níveis da vida social. O conceito de gênero surge como um conceito relacional enquanto categoria de análise. Retoma a ideia de que “não se nasce mulher, torna-se mulher”, já explorada por Simone de Beauvoir: uma mudança do corpo biológico ao corpo natural, sexo ao gênero, estruturas que definem o sexo feminino e o sexo masculino dentro de padrões sociais universais.

Para Joan Scott, para entender a condição de desigualdade da mulher é necessário tratar do sujeito individual, da organização social e de suas relações. Ela desenvolve um conceito de gênero que se estrutura basicamente através destas premissas: a) gênero como elemento constitutivo de diferenças percebidas entre os sexos; símbolos culturais; conceitos normativos; organizações sociais; identidade subjetiva. b) gênero como forma nova de significar as relações de poder.


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